Ao pensarmos na dimensão da Extensão como “Ferramenta Pedagógica e Científica de Transformação Social”, é importante considerar a relação indissociável entre a extensão e o ensino, a partir da perspectiva do estudante enquanto sujeito ativo desse processo, ou seja, como protagonista.
Ele deve compreender a realidade social que o cerca para a aquisição de conhecimentos socialmente referendados para a sua atuação profissional com compromisso cidadão, além de atuar para a garantia dos direitos e dos deveres que levam à transformação social. Neste sentido, esse texto objetiva demonstrar por meio do relato de ações extensionistas desenvolvidas como a extensão pode contribuir com a democratização do conhecimento científico.
Relato da cursista RAFAELLY APARECIDA DUMA.
A extensão universitária faz um importante papel não só de formar os estudantes de maneira acadêmica, mas profissionalmente, na percepção acadêmica, a extensão universitária é “o processo educativo que articula ensino e pesquisa de forma indissociável e que torna viável a relação transformadora entre universidade e sociedade.
A extensão é não apenas a principal ferramenta para este processo dialético entre teoria e a prática, mas é também um trabalho interdisciplinar que favorece uma visão integrada do social no interior da universidade” (FORPROEXT, 1990, p.14). Ou seja, a extensão universitária faz uma importante ligação da teoria trabalhada em sala de aula com a prática da extensão. E para além dessa formação acadêmica, a extensão possibilita o acesso da população ao conhecimento produzido dentro da universidade, que às vezes fica apenas dentro dos muros.
É importante essa aproximação para que a universidade não se transforme em uma esfera elitista e de exclusão, para que a população geral tenha o olhar de realmente uma universidade pública, gratuita e de qualidade, e principalmente inclusiva. Para que não só o conhecimento chegue em todos de forma democrática, mas principalmente que o acesso ao ensino superior seja democrático.
Dentro da universidade na qual sou acadêmica, eu sou extensionista bolsista de um programa de Extensão, a IESol/UEPG. Dentro desse programa, é um exemplo extremamente cabível, por inúmeros motivos, irei citar alguns:
A IESol (Incubadora de Empreendimentos Solidários) é um programa de extensão da UEPG que foi criado em 2005. O objetivo da IESol é formar empreendimentos solidários e levar a economia solidária para diferentes segmentos da sociedade. A IESol incuba diferentes grupos, como artesanatos, bijuteria, agricultura familiar, assentamentos rurais, todos em um perspetiva de economia alternativa, inclusiva, autogestionária e cooperativa.
Assim, a IESol organiza formações, eventos, feiras, projetos — como o qual eu faço parte, que é um projeto voltado para a economia solidária e mulheres em vulnerabilidade social em Ponta Grossa e região —, e diversas outras atividades que vão levar a economia solidária como alternativa de trabalho e renda. Ou seja, dentro de apenas um programa, são desenvolvidos inúmeros projetos que irão contar com uma equipe de alunos, estagiários e técnicos. Outro elemento importante, é de que a IESol é formada por uma equipe multidisciplinar, então dentro da equipe temos professores, funcionários, técnicos e estagiários de diferentes cursos, como serviço social, jornalismo, administração, psicologia, economia, geografia e outros. Então, temos contato com diferentes cursos em um só programa de extensão, é uma oportunidade muito rica.
Dessa forma, a equipe da IESol leva a economia solidária para escolas, CRAS, casas de acolhimento e diversos outros aparelhos sociais que vão receber uma formação e entender o que é a economia solidária, como funciona, como eu posso produzir a partir dela e etc.
Além dos eventos promovidos, dentro da própria universidade é realizada uma feira da economia solidária todas as quintas feiras, que vão contar com feiras temáticas e entre outras coisas e que são abertas para o público em geral. Nessas feiras, os empreendimentos solidários vendem diferentes produtos e obtêm sua renda. Então é um projeto de extensão movido por uma equipe multidisciplinar, majoritariamente de alunos e que desenvolve inúmeras atividades não apenas para a comunidade acadêmica, mas para a população em geral. A IESol faz um importante papel de levar essa alternativa de trabalho para a população tendo em consideração que o mercado de trabalho formal não é inclusivo para todos.
Conforme Freire (1992, p.13) “a Extensão foi definida como ação institucional voltada para o atendimento das organizações e populações, com sentido de retroalimentação e troca de saberes acadêmico e popular”. Nesta direção, pode-se compreender que a contribuição da extensão é relacionada principalmente: ao entendimento sobre a função social da Universidade; à articulação entre o ensino e a pesquisa, por meio de um diálogo com a comunidade sem que haja uma hierarquia; e à produção, em interação com a sociedade, de um conhecimento novo (envolvendo diversos saberes). No que se refere às mudanças curriculares, há de se considerar aspectos referentes ao protagonismo discente, e, conforme Junior (2013), à vivência de linguagens que eram ausentes ou mesmo desprezadas em sala de aula, com vistas ao desenvolvimento de capacidades relacionadas à transformação social.
Acredito que só podemos pensar na contribuição da extensão quanto à democratização do conhecimento científico, ao passo que tenhamos uma universidade mais democrática, com a presença de estudantes que representem as diferentes classes sociais, não somente com a representação de uma elite que sempre ocupou historicamente a maioria das vagas das universidades públicas brasileiras.
A partir de uma ampla representatividade (social, étnica e de gênero), é possível pensar de forma orgânica as necessidades reais da sociedade. Assim, penso que quanto mais plural for a universidade, temos mais capacidade de entender as demandas sociais e estabelecer um diálogo profundo com a sociedade.
Dessa forma, penso que o acesso democrático às instituições de ensino superior precede as reformulações curriculares no que tange à creditação da extensão, que, por sua vez, deve ser uma consequência desse processo de democratização para, assim, contribuir genuinamente para estreitar os laços entre a universidade e a sociedade.
A mudança curricular para evidenciar as práticas extensionistas deve acontecer também de forma indissociável ao ensino e, consequentemente, à pesquisa. A creditação da extensão deve ir além do atendimento de uma meta, ou mesmo, um documento regulatório, pois, caso contrário, corremos o risco de burocratizá-la. Por isso, devemos aproveitar o atual cenário, em que a creditação da extensão está em voga, para discutir o seu papel e que universidade queremos construir para o futuro.
Na área em que atuo, por exemplo, a de ensino de línguas estrangeiras, quando pensamos em ações extensionistas, buscamos fazê-las a partir de uma perspectiva plurilíngue/intercultural/interdisciplinar e que atenda às necessidades das comunidades. Por isso, temos o cuidado para não impor o ensino de uma língua em detrimento de outra, valorizando a cultura local e regional, assim como a própria língua materna.
Nesse sentido, buscamos atender escolas menos privilegiadas quanto a esse tipo de abordagem. Tudo isso só é possível por meio do ensino e da pesquisa, os quais dão suporte para as nossas práticas extensionistas. Muitas vezes, as instâncias administrativas têm dificuldade de compreender essa indissociabilidade, tendo em vista os sistemas estanques de atribuição de horas dessas atividades nas diferentes Pró- Reitorias.
Para democratizar o conhecimento científico, é preciso democratizar o acesso às universidades, como também desconstruir entendimentos que contradizem a ideia de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.
Sobre as autoras
👩Rafaelly Aparecida Duma. Estudante no 2º ano de Bacharelado em Serviço Social, pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Atualmente Extensionista no Programa de Extensão pela Incubadora de Empreendimentos Solidários - IESol (UEPG), articulado ao projeto "Mulheres na Economia Solidária: Perspectivas de Empoderamento na cidade de Ponta Grossa e Região", que visa o desenvolvimento de ações para estimular o protagonismo e empoderamento de mulheres em vulnerabilidade social de Ponta Grossa e região, a partir da Economia Solidária. Link do currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/6080390940507980
👧Professora Doutora Daniele Gonçalves Vieira. Graduada em Nutrição (bacharelado) pela Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO) em 2007. Especialista em Nutrição Clínica pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) em 2010. Mestre em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Pediatria e Ciências Aplicadas à Pediatria da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP-EPM) em 2013. Doutora em Química pelo Programa de Pós-Graduação em Química - Associação UEL/UEPG/UNICENTRO em 2019. Docente do Departamento de Nutrição da Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO) desde 2009. Experiências em projetos, ações e eventos extensionistas na área da saúde, envolvendo a comunidade acadêmica com a população em geral